Faz falta o Carnaval que deveria estar chegando e não chegou. Faz falta o Carnaval enquanto necessária segunda vida do povo. Faz falta o Carnaval como liberação temporária da verdade dominante, da seriedade unilateral, da ordem cristalizada.
Explico: o reinado de Momo é, antes de mais nada, uma outra vida, festiva, baseada no riso. Festa que traz para o concreto, para o plano terra-a-terra dos frevos, marchas e maracatus, tudo aquilo que se diz elevado, teórico, ideal e abstrato.
Sim! O Carnaval foi feito para quebrar a lógica formal das coisas. Nessa festa estamos como que “autorizados” a passar ‘ao avesso’, ‘ao contrário’, permutando o alto com o baixo. É, por isso, uma segunda vida do povo construída como paródia da vida corriqueira, como um ‘mundo ao revés’, com sua linguagem cheia do lirismo da alternância e da renovação, da efetiva consciência e da alegre relatividade, tanto das verdades, como das autoridades.
Pré-adolescente em Campina Grande brincava os carnavais em dois tempos: havia as matinais e matinês carnavalescas do Campinense Clube e do Clube 31, esperadas oportunidades de —armados das imprescindíveis lança-perfumes Rodouro e de uma máscara de plástico para proteger os olhos—ensaiarmos nossas primeiras conquistas, nossos primeiros “pegar na mão”, primeiros namoros. Mas havia, também, o inesquecível “Los Cocôs del Louro”. Era um bloco? Uma troça? Sei não.
Só sei que Los Cocôs del Louro era um animado grupo de amigos, liderado por Luiz Mota, um dos filhos do dono do curtume. Nas manhãs dos dias de Momo, nós, rapazes “de boas famílias” de Campina, saíamos nesse bloco todos vestidos com um mesmo modelo de macacão vermelho-cheguei, com falsos bigodes, barbas e cabelereiras, ou com as caras pintadas feito palhaços ou pierrôs apaixonados.
Assim trajados, íamos de casa em casa, —antes devidamente acertadas— a filar comidas e bebidas, com nossa batucada de surdos, caixas e taróis animando os anfitriões, maiorais da cidade, inclusive meu avô, seu Ribeiro, o Brahma-Quente.
Para agradecer a acolhida e os tira-gostos servidos, era tradição terminar a visita tecendo potocas e largando, ao som da charanga, quadras, improvisos e arremedos, expondo possíveis e impossíveis “descompassos” do dono da casa, da sua família ou dos seus amigos. Não valia falar “de bem”. Mas, tudo sempre numa boa, sem perda de compostura. Todos gostavam das presepadas que, fora do tom, gritávamos e cantávamos. Ninguém reclamava: era carnaval!
No tríduo momesco, a “concepção estética da vida” é, assim, inusitada e intimamente picaresca. São dias “de deboche ritual”, como lembrou um dos nossos primeiros cronistas, o carioca João do Rio.
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