Fernando Gusmão (https://fgusmaocouching.blogs.sapo.pt/)
Nós, os Homo Sapiens, surgimos na Terra há, aproximadamente, 300 mil anos. Platão, um notável exemplar de Homo Sapiens, veio bem depois, cerca de 2.500 atrás. Marcou profundamente o pensamento ocidental quando —450 anos AC—escreveu “A República”, onde entendeu a Vida como um dualismo —Alma e Corpo— ou seja, concebeu dois mundos: um inteligível e outro sensível, onde a inteligência seria mandatária dos sentimentos. Essa ideia teve enorme influência no pensamento e na cultura ocidentais e ficou conhecida como o “Paradigma Platônico“ ou, mais precisamente, como o “Paradigma da Dominação“.
Paradigmas são como lentes que se usa no cérebro, em vez dos olhos, que nos faz enxergar a realidade de uma determinada maneira. Os paradigmas condicionam a maneira como devemos nos comunicar, comer ou vestir; indicam o modo como devemos conduzir nossa vida, nossas escolhas e objetivos. Os paradigmas se incrustam no senso comum, até que se estabeleça a necessidade de construir novos, que contemplem novos hábitos e valores.
O Paradigma da Dominação, proposto por Platão, implicava em que a razão sobrepujasse a matéria, tendo encontrado muitos seguidores no ocidente, entre nossos melhores filósofos, como Plotino e Agostinho, sem esquecer Descartes, com o “Penso, logo existo”. Operando conforme o paradigma platônico, o Sapiens foi ao espaço, ao fundo dos mares, aumentou nossa expectativa de vida, nos trouxe inimagináveis ganhos materiais.
Infelizmente o Paradigma Platônico justificou, em paralelo, que fossem aceitos e adotados, através dos tempos e das culturas, diversos modelos de dominação, inclusive ideias abjetas e abomináveis, como, só para lembrar e sublinhar: a escravatura (senhores dominando escravos), o feudalismo (lordes dominando vassalos), o machismo (homens dominando mulheres), o feminismo (mulheres dominando homens), o cientificismo (o homem dominando a natureza) e o fascismo (governos dominando contribuintes).
Operando obrigatoriamente a partir do Paradigma Platônico da dominação, as organizações ocidentais –desde as famílias, até as empresas ou os países- adotam uma conhecida tecnologia organizadora chamada "Pirâmide de Autoridade". Nas grandes entidades, as Pirâmides de Autoridade tomam feições mais complexas, com diversos níveis hierárquicos, onde aparecem presidentes, ministros, superintendentes, gerentes, chefes de departamentos e por aí vai, até as camadas mais baixas e simples das organizações, que nas indústrias são chamadas de “chão de fábrica” e, na Sociedade, de povo.
Uma das características mais importantes das Pirâmides de Autoridade é o conhecido "Peso da Hierarquia", que, inclusive, faz com que comportamentos e atitudes praticados por níveis mais altos atuem fortemente sobre níveis subordinados, condicionando as pessoas a assumirem formas e maneiras de comportamento dos seus superiores hierárquicos. Daí, surge as conhecidas constatações comportamentais: "o exemplo vem de cima" ou “a palavra induz e o exemplo arrasta”. Conhecemos o fato de que –de forma geral, mas preponderante- em famílias em que os pais se comportam de modo civilizado, dando bons exemplos, os filhos crescem de maneira sadia, tornando-se adultos com quem temos gosto de conviver.
Assim, a corrupção das autoridades evoca, provoca e determina a corrupção dos subordinados. Quando um superior hierárquico não cumpre com a Lei, seus subordinados se sentem, devido ao "peso da hierarquia", com o direito e quase com a ”obrigação” de fazer o mesmo. É evidente que tudo isso leva qualquer corporação, empresa ou país ao caos.
A autoridade corrupta produz intoleráveis maus exemplos, que põem a perder uma nação, uma empresa ou o trabalho de educação que uma boa família esteja fazendo. No Brasil, a corrupção das autoridades —ajudada pelo peso da hierarquia— induz ao mau comportamento da sociedade em geral, na medida em que exemplos perversos de autoridades aparecem todos os dias, com ampla difusão pelas redes de comunicação, sejam sociais, sejam tradicionais.
Outro enorme problema trazido pela adoção do Paradigma da Dominação foi a construção de uma sociedade orientada, basicamente, pelo êxito, pelo dominar, pelo ganhar. Dito de outra forma, o Paradigma Platônico exigiu o aprimoramento, cada vez maior, de uma inteligência guerreira na sociedade, que hoje é formada por indivíduos cujo objetivo maior é: obter êxito, dominar, acumular bens e vencer na vida e onde o meu êxito precisa do fracasso, da escassez ou da mediocridade de um terceiro. Nessa visão, Neymar não passaria de “um ser dotado de habilidades superiores à sua cultura”.
Problemas modernos, como o Pânico, a Depressão e o aquecimento global são resultados do paradigma que hoje impera, da dominação, do êxito da acumulação, do poder. Nesse contexto, já é voz geral que as agressões à Natureza e a intensificação acelerada da violência entre os humanos apontam para a rápida extinção da Civilização.
Felizmente é possível observar a emergência recente de elementos de um paradigma novo: o Paradigma do Cuidado, sustentado no reconhecimento da alteridade, reconhecimento que tem na empatia natural dos homens sua raiz mais profunda. Como diz o filósofo Bernardo Toro, “precisamos deixar de ser uma sociedade orientada pelo êxito, pelo vencer, pelo ganhar. Nosso novo paradigma precisa ser o cuidado. Saber cuidar, saber fazer transações ganha/ganha e saber conversar. Não mais uma inteligência guerreira, mas sim uma inteligência altruísta.” Solidária e cooperativa.