Gilberto Freyre, José Antonio Gonsalves de Mello e Rostand Paraiso trataram sobre os ingleses no Brasil, especialmente sobre a influência dos súditos da Rainha na cultura pernambucana. Do que esses autores escreveram achei interessante o seguinte:
Em tempo de Copa de Mundo, vale lembrar, por exemplo, que empregados das companhias Great Western e Western Telegraph Company, peladeiros de finais-de-semanas nos quintais de suas casas, fundaram, no início do século passado, (13/05/1905), o primeiro time de futebol do Recife, o nunca, por demais glorificado, Sport Club do Recife.Em 1909, na avenida Rui Barbosa, onde hoje está o Museu do Estado, ficava o Pernambuco British Club, onde jogaram pela primeira vez o Sport e o Náutico, enxertados com muitos jogadores ingleses. (Não vou comentar quem ganhou esse jogo...)
Participavam do Campeonato Pernambucano de Futebol daqueles anos dois times com jogadores, na maioria ingleses, funcionários da Great Western of Brazil e da Pernambuco Tramways & Power Company Limited. Um deles, o Tramways Sport Club, chamado pelos locais de "Trâmis", destacou-se, tendo vencido os estaduais de 1936 e de 1937. Por influência dos britânicos, muitos termos usados no futebol, como, goal, team, goal-keeper, foul, center-forward, dribling, corner, off-side, penalty, full-back e half-back, foram incorporados ao linguajar dos recifenses, que diziam: quipe, centrefó, dribe, córne, fubeque e ralfe.
Mais na frente, em 1920, já funcionavam no Recife outros três clubes sociais de origem inglesa: o The British Country Club, o Pernambuco Cricket Club e o Lawn Tennis Club. Inicialmente batizado de Pernambuco Golf Club, o hoje Caxangá Golf & Country Club foi fundado em 1928, por George Litlle, executivo da Great Western.Posteriormente, os ingleses instalaram na Rua do Bom Jesus, no Recife Antigo, o Town British Club, principalmente para a prática do snooker (sinuca). De início, no andar de cima do London & River Plate Bank, esse clube encerrou suas atividades em 1989, já em um prédio da Avenida Rio Branco.
Por conta dessa presença britânica em Recife, outras palavras inglesas, não relacionadas ao futebol, foram, também, acrescentadas ao nosso português: sueter, bife, vagão, rosbife, blefe e flerte. Há quem diga, inclusive, que a palavra forró surgiu quando, na inauguração de sua primeira linha férrea, a Great Western deu uma festa com um cartaz onde estava escrito “for all” (para todos).
Em diversas outras expressões culturais recifenses, a presença britânica se fez notar: quando a Avenida Conde da Boa Vista ainda se chamava Rua Formosa, já ali existia, onde hoje está o cinema São Luiz, a igreja anglicana “Holly Trinity Church”, chamada pelos recifenses de “Igrejinha dos Ingleses”. No antigo Aterro da Boa Vista, nº 35, atual Rua da Imperatriz, estava o “British Hospital”. Com quatro andares, e um cais de atracação no rio Capibaribe, esse hospital fechou no final de 1878. Na Boa Vista, havia uma rua onde ficavam diversos albergues, que abrigavam hóspedes na sua maioria britânicos. Hoje essa é a Rua Padre Inglês.O Cemitério dos Ingleses na avenida Cruz Cabugá, em Santo Amaro, tem um portão de ferro datado de 1852 - obra dos ingleses da Fundição d'Aurora. Naquele cemitério, foi enterrado o general Abreu e Lima que, na época, embora cristão, e não protestante, não pôde ser enterrado nos chamados Campos Santos, devido à intransigência do bispo católico Francisco Cardoso Ayres.
A influência britânica no mundo atingiu, também, o cotidiano dos recifenses: o linho diagonal branco, a casimira e o tropical inglês sendo usados na confecção de ternos; popularização das bengalas e dos chapéus de palhinha; a gravata borboleta e, até, as polainas nos sapatos.
No início do século passado várias casas comerciais foram fundadas em Recife com nomes que sugeriam linhagem inglesa: Botina Inglesa, Botica Inglesa, Alfaiataria Londres, Sapataria Inglesa e Sapataria Clark. Surgiram, também, a Machine Cotton, John A. Thom (negociante de algodão, borracha, açúcar, mamona e cera), Cory & Brothers, Royal Bank of Canada, Boxwell & Cia. (o maior estabelecimento de enfardamento de algodão), Williams & Cia.(exportadores de açúcar e algodão), Conolly & Cia. (casa de câmbio) e Ayres & Son.
O bonde número 104, que está preservado e exposto no Museu do Homem do Nordeste, da Fundação Joaquim Nabuco, foi o último bonde inglês que circulou no Recife, até março de 1954, que fazia a linha da Boa Vista para a Madalena. (Fernando Gusmão).
Fernando Gusmão (https://fgusmaocouching.blogs.)
Na sua recente e importante obra “A História da Riqueza do Brasil “ Jorge Caldeira, com tratamento metodológico inovador, notadamente econométrico e antropológico, nos surpreende com conhecimentos novos e importantes sobre o Brasil colônia: a economia do interior do Brasil era mercantil; os negócios eram suportados por procedimentos informais “todo o sistema de crédito fundava-se no fiado”; a democracia era a base da vida política; atrair genros entregando uma filha em casamento era uma estratégia econômica de origem Tupi, sendo a efetiva fonte da miscigenação brasileira. Caldeira mostra que desenvolvemos aqui, naquele período, uma economia dinâmica e rica, com uma política eficaz em uma sociedade inovadora. Ou seja, sua visão da nossa História é, de certa forma, contrária à versão interpretativa dos nossos historiadores clássicos, que nos falavam de uma colônia exportadora, completamente despida de dinâmica própria, com uma economia, marcadamente, de subsistência.
Essa nova interpretação do Brasil colonial nos remete, naturalmente , ao pensamento do filósofo e historicista, R.G. Collingwood, que, quando tratou da hermenêutica da História, levou ao entendimento de que, diante de um passado inacessível, o objeto da História, seria, resgatar (Res Gestae) ações/fatos praticados no passado. Em adição, preconizava que as estruturas do conhecimento histórico se organizam no historiador ("dentro da cabeça" do historiador) e não na "História em si". Collingwood chega a acrescentar que "o historiador deve colocar-se acima das fontes, recorrendo a processos de seleção, interpolação e crítica", podendo, até, "postular fatos, preenchendo lacunas por meio da dedução", pois que lhe é “impossível libertar-se dos seus preconceitos intelectuais e ideológicos”. Ele afirma: "apontar o erro na discussão de uma idéia é o que permite o crescimento na educação" e “compreende-se um texto quando se compreende a pergunta de que ele foi a resposta”.
Uma concepção subjetivista da História substituiu, assim, a antiga visão objetivista, pois o conhecimento histórico é visto, agora, como um olhar pessoal do historiador para o passado.
Por isso, Collingwood diz que toda verdadeira investigação parte de um certo problema e o propósito da investigação é solucionar esse problema. Para ele, a História, por um lado descobre fatos e acontecimentos e, por outro, os (re)constrói a partir de dados obtidos.
Acrescenta o historiador: “por conseguinte, o plano da descoberta está já conhecido e formulado quando se diz que a descoberta, seja ela qual for, terá de satisfazer os termos do problema”. De fato, jamais se navega sem carta; por poucos pormenores que contenha, a sua carta tem marcados os paralelos da latitude e da longitude, e o seu propósito é descobrir o que se há de colocar sobre e entre aquelas linhas. Nesses termos, deveria o investigador re-presentar, no seu próprio espírito o pensamento que é objeto do seu estudo, tendo em consideração o problema do qual se partiu, reconstruindo os degraus através dos quais se vai tentando a sua solução. Conclui Collingwood: “assim, toda História é História contemporânea”.