A próxima eleição é, de fato, motivo de muita preocupação. É angustiante a situação em que o país se encontra, sem que se vislumbre uma saída. Com o "andar da carruagem", a cada dia a angústia aumenta.
No presidencialismo, a figura do candidato à presidência é muito importante, mas as mudanças estruturais, inclusive aquelas às quais você se refere, dependem de alterações legislativas, que eu não creio sejam possíveis com a lastimável representação parlamentar que temos (com as honrosas exceções que sempre existem). Dependemos, inclusive, de mudanças no processo de escolha desses representantes, para que se possa ter alguma esperança de melhoria futura, e não dá para acreditar que a representação atual tenha interesse (tem demonstrado o contrário) em fazê-las, para criar efetivamente a perspectiva de progresso.
Teriam o meu voto candidatos que defendam a eliminação de distorções internas na máquina pública, de modo a diminuir o seu peso, que consome boa parte da renda nacional. Distorções do tipo: parlamentares com dezenas de assessores e outras mordomias exageradas, além de salários acima da média do mercado privado, fazendo com que os nossos custos com o parlamento sejam muito elevados; juízes com remunerações astronômicas (algumas chegam a muito mais de 200 salários mínimos) em razão de penduricalhos de todo tipo, além do salário bastante compensador (que devem ter, em face de suas responsabilidades); funcionários do executivo, de determinadas carreiras, com remunerações muito acima dos demais; grandes grupos empresariais devedores do fisco e que a máquina não consegue cobrar (seja por influência politiqueira, seja pelas deficiências da lei); etc.
Esses candidatos, para merecerem o meu voto, deveriam também defender, por outro lado, que determinadas carreiras no serviço público tivessem melhor remuneração, como é o caso dos professores, por exemplo.
Parece-me que tens razão quanto à simplificação do sistema tributário e bons candidatos deveriam defendê-la. Mesmo não sendo do ramo, dá para perceber as vantagens, no sentido de baratear o custo para os contribuintes, especialmente para as empresas (poderiam reduzir estruturas administrativas que cuidam da tarefa complicada que é pagar os impostos atuais). A simplificação poderia também dificultar a sonegação. Por que será que se fala nisso há tanto tempo e não se avança? Evidentemente, existem interesses não confessáveis (manter dificuldades para vender facilidades).
No entanto, não votaria em candidatos que simplesmente defendam o estado mínimo, que entrega todas as decisões importantes ao mercado, mesmo que isto eventualmente favoreça empreendedores ou ajude brasileiros (alguns) a trabalhar no seu próprio negócio. A experiência recente dos EEUU com o afastamento do estado de alguns controles foi desastrosa para todo o mundo.
Mais do que outros, um país como o nosso que tem as desigualdades que nós temos, não pode desprezar a capacidade que tem uma política pública bem orientada, definida e gerida pelo estado, de agir no sentido de reduzir tais desigualdades. Provavelmente, a máquina, nos três poderes, poderia ser reduzida, mas o que me parece mais importante é a transparência e controle público sobre a gestão estatal. Alguma coisa se avançou nesse sentido, mas é preciso avançar muito mais.
Desde o final dos anos 1940, aprendi com o meu pai que não há desenvolvimento se os benefícios do crescimento da economia não chegarem à maioria da população. Não dá para acreditar que se tudo estiver exclusivamente na dependência dos humores do mercado, essa repartição de benefícios se faça de forma equilibrada, ou mesmo exista. Repartição equilibrada não significa benefícios absolutamente iguais (seria uma utopia); significa que não deve haver ganhos exagerados, de um lado, nem segmentos excluídos do benefício resultante do crescimento, de outro. Tal como ocorre nos países capitalistas avançados, se o ganho for muito elevado, cabe ao estado cobrar parte desse ganho, para reduzir desigualdades e melhorar os serviços públicos prestados a todos (nesses quesitos – arrecadação e prestação de serviços – o nosso país está devendo muito).
O que se ouve hoje, nos comentários da TV, é exclusivamente a preocupação com o crescimento do PIB e a reação do mercado a sinais dados pelo governo. Sobre a distribuição da renda não se fala nada. Para recuperar o PIB faz-se qualquer negócio. A privatização da Eletrobrás e o decreto assinado ontem pelo presidente, autorizando a mineração em área de proteção e preservação ambiental na região Amazônica (segundo notícia da imprensa, do tamanho do estado do Espírito Santo), deixaram o mercado internacional na maior felicidade, refletida nas bolsas de valores. Onde está o interesse nacional? Não é razoável tomar decisões desse quilate, pensando em termos financeiros (objetivo principal dessas medidas). E os efeitos negativos do ponto de vista ambiental e social? Infelizmente o Brasil está ficando desmoralizado, no cenário internacional, quando se trata desses dois últimos temas. Veja-se a reação do governo da Noruega, em face da questão da Amazônia e a repercussão da situação do país na imprensa estrangeira.
Quanto à Eletrobrás, é evidente que as empresas públicas e de economia mista precisam ser geridas como empresas e não como ocorre hoje com muitas delas, que são objeto de disputas partidárias, em torno de cargos e orçamentos. Nesse sentido, a participação de acionistas privados com influência na gestão, pode ser benéfica. No entanto, dá para acreditar que a privatização, pura e simples, vai baixar tarifa? Se tudo ficar sendo decidido exclusivamente por regras de mercado, não dá para acreditar que os ganhos de produtividade serão efetivamente repassados (ao menos em parte) para as tarifas. Parece-me muito mais provável que esses ganhos se encaminhem para aumentar o lucro. Numa atividade econômica comum e corrente isto pode ser usual; mas na prestação de um serviço público, não cabe.
A esse respeito, não me esqueço de uma conversa que tive com um amigo, há alguns anos, que estava então à frente de uma concessionária privada de serviço público. Em confiança, numa conversa informal, me assegurou (com extrema naturalidade, para meu ingênuo espanto) que nos demonstrativos apresentados aos órgãos fiscalizadores informava-se, documentadamente, uma taxa de retorno da ordem de 15 a 16%, a partir do qual eram definidas as tarifas. Mas a taxa real era superior a 25%. É muito provável que esse seja um procedimento corriqueiro.
Lula Baltar
Fernando Gusmão (https://fgusmaocouching.blogs.sapo.pt/)
Nós, os Homo Sapiens, surgimos na Terra há, aproximadamente, 300 mil anos. Platão, um notável exemplar de Homo Sapiens, veio bem depois, cerca de 2.500 atrás. Marcou profundamente o pensamento ocidental quando —450 anos AC—escreveu “A República”, onde entendeu a Vida como um dualismo —Alma e Corpo— ou seja, concebeu dois mundos: um inteligível e outro sensível, onde a inteligência seria mandatária dos sentimentos. Essa ideia teve enorme influência no pensamento e na cultura ocidentais e ficou conhecida como o “Paradigma Platônico“ ou, mais precisamente, como o “Paradigma da Dominação“.
Paradigmas são como lentes que se usa no cérebro, em vez dos olhos, que nos faz enxergar a realidade de uma determinada maneira. Os paradigmas condicionam a maneira como devemos nos comunicar, comer ou vestir; indicam o modo como devemos conduzir nossa vida, nossas escolhas e objetivos. Os paradigmas se incrustam no senso comum, até que se estabeleça a necessidade de construir novos, que contemplem novos hábitos e valores.
O Paradigma da Dominação, proposto por Platão, implicava em que a razão sobrepujasse a matéria, tendo encontrado muitos seguidores no ocidente, entre nossos melhores filósofos, como Plotino e Agostinho, sem esquecer Descartes, com o “Penso, logo existo”. Operando conforme o paradigma platônico, o Sapiens foi ao espaço, ao fundo dos mares, aumentou nossa expectativa de vida, nos trouxe inimagináveis ganhos materiais.
Infelizmente o Paradigma Platônico justificou, em paralelo, que fossem aceitos e adotados, através dos tempos e das culturas, diversos modelos de dominação, inclusive ideias abjetas e abomináveis, como, só para lembrar e sublinhar: a escravatura (senhores dominando escravos), o feudalismo (lordes dominando vassalos), o machismo (homens dominando mulheres), o feminismo (mulheres dominando homens), o cientificismo (o homem dominando a natureza) e o fascismo (governos dominando contribuintes).
Operando obrigatoriamente a partir do Paradigma Platônico da dominação, as organizações ocidentais –desde as famílias, até as empresas ou os países- adotam uma conhecida tecnologia organizadora chamada "Pirâmide de Autoridade". Nas grandes entidades, as Pirâmides de Autoridade tomam feições mais complexas, com diversos níveis hierárquicos, onde aparecem presidentes, ministros, superintendentes, gerentes, chefes de departamentos e por aí vai, até as camadas mais baixas e simples das organizações, que nas indústrias são chamadas de “chão de fábrica” e, na Sociedade, de povo.
Uma das características mais importantes das Pirâmides de Autoridade é o conhecido "Peso da Hierarquia", que, inclusive, faz com que comportamentos e atitudes praticados por níveis mais altos atuem fortemente sobre níveis subordinados, condicionando as pessoas a assumirem formas e maneiras de comportamento dos seus superiores hierárquicos. Daí, surge as conhecidas constatações comportamentais: "o exemplo vem de cima" ou “a palavra induz e o exemplo arrasta”. Conhecemos o fato de que –de forma geral, mas preponderante- em famílias em que os pais se comportam de modo civilizado, dando bons exemplos, os filhos crescem de maneira sadia, tornando-se adultos com quem temos gosto de conviver.
Assim, a corrupção das autoridades evoca, provoca e determina a corrupção dos subordinados. Quando um superior hierárquico não cumpre com a Lei, seus subordinados se sentem, devido ao "peso da hierarquia", com o direito e quase com a ”obrigação” de fazer o mesmo. É evidente que tudo isso leva qualquer corporação, empresa ou país ao caos.
A autoridade corrupta produz intoleráveis maus exemplos, que põem a perder uma nação, uma empresa ou o trabalho de educação que uma boa família esteja fazendo. No Brasil, a corrupção das autoridades —ajudada pelo peso da hierarquia— induz ao mau comportamento da sociedade em geral, na medida em que exemplos perversos de autoridades aparecem todos os dias, com ampla difusão pelas redes de comunicação, sejam sociais, sejam tradicionais.
Outro enorme problema trazido pela adoção do Paradigma da Dominação foi a construção de uma sociedade orientada, basicamente, pelo êxito, pelo dominar, pelo ganhar. Dito de outra forma, o Paradigma Platônico exigiu o aprimoramento, cada vez maior, de uma inteligência guerreira na sociedade, que hoje é formada por indivíduos cujo objetivo maior é: obter êxito, dominar, acumular bens e vencer na vida e onde o meu êxito precisa do fracasso, da escassez ou da mediocridade de um terceiro. Nessa visão, Neymar não passaria de “um ser dotado de habilidades superiores à sua cultura”.
Problemas modernos, como o Pânico, a Depressão e o aquecimento global são resultados do paradigma que hoje impera, da dominação, do êxito da acumulação, do poder. Nesse contexto, já é voz geral que as agressões à Natureza e a intensificação acelerada da violência entre os humanos apontam para a rápida extinção da Civilização.
Felizmente é possível observar a emergência recente de elementos de um paradigma novo: o Paradigma do Cuidado, sustentado no reconhecimento da alteridade, reconhecimento que tem na empatia natural dos homens sua raiz mais profunda. Como diz o filósofo Bernardo Toro, “precisamos deixar de ser uma sociedade orientada pelo êxito, pelo vencer, pelo ganhar. Nosso novo paradigma precisa ser o cuidado. Saber cuidar, saber fazer transações ganha/ganha e saber conversar. Não mais uma inteligência guerreira, mas sim uma inteligência altruísta.” Solidária e cooperativa.