Queridos pais
Autoridades presentes Senhores professores Colegas, senhoras e senhores.
Não poderíamos deixar de dirigir nossas primeiras saudações a todos os que possibilitaram este dia, e em particular nossos pais.
Não vamos a estes dizer muito obrigado, porque isso pouco significa, mas vocês sabem bem o que sentimos, e se há algo que realmente nos alegra hoje é sabermos que vocês estão felizes, e por nossa causa.
Outros merecem também nossa gratidão por tudo isto, desde nossas primeiras professoras, até todo esse povo brasileiro, que com seus esforços mantêm nossas escolas.
Gratidão a esse mundo incrível de analfabetos que, por todo esse Brasil, com o suor de seus rostos e os calos de suas mãos, constroem e mantêm as escolas onde estudamos, onde nem eles nem seus filhos poderão entrar.
Se aos nossos pais dedicamos esta solenidade, com vocês assumimos um compromisso.
O compromisso de que o suor de seus rostos não serviu apenas para molhar os tijolos que sustentam nossas escolas, mas também para moldar a consciência dos engenheiros que de lá saem.
Compromisso que, no entanto sabemos, muito vai exigir de nós, pois na verdade a nossa universidade não prepara homens par a tarefa de solucionar os problemas do nosso homem.
Sabemos que esta deveria ser a finalidade da universidade, mas não acreditamos que, na forma como está estruturada, conseguirá atingi-la.
A universidade deve ser o local onde gerações diferentes se encontram, se completam e, "ligadas à realidade que as envolve, estudam e lutam preparando quadros que amanhã vão, dentro dessa realidade, corrigir suas falhas e promover suas conquistas.E essa realidade, no nosso caso, é uma realidade de fome, de miséria, de exploração e de ignorância. É em um mundo assim que vamos trabalhar, então para esse mundo a universidade deve estar voltada.
Para isso, é necessário que a universidade seja um recinto aberto, dinâmico, no qual o mundo exterior, para o qual ela deve existir, lhe diga o que fazer para melhorar.
Um debate contínuo, uma troca de idéias que processe um fluxo ilimitado de conceitos novos sobre os velhos.
Uma universidade onde aprendamos não apenas a ser médicos, engenheiros ou sociólogos, mas acima de tudo homens, cidadãos brasileiros, cônscios de suas responsabilidades e dos problemas que têm por obrigação enfrentar.
E se o homem é por excelência um ser social, não se admite que em universidades tenhamos cursos voltados muito mais para nós do que para a sociedade. A universidade deve ser eminentemente social, tanto nas inter-relações das diversas escolas, como também na própria visão das matérias.
Mas isso acarretaria uma tomada de consciência profunda em toda a juventude universitária, e poria em sério risco toda a estrutura injusta da sociedade brasileira.
E a muitas e influentes pessoas, não é preciso que se diga, não interessa essa tomada de consciência, e fazem por isso da universidade um local onde velhos donos da verdade ganham para ensinar a uns poucos bons meninos, nós, alguns macetes que lhes facilitem, amanhã, ganharem dinheiro.
Quantos de nós estamos hoje pensando no que podem fazer pela sociedade brasileira?
E quantos pensando no que pode a sociedade fazer para eles, ou qual a sociedade que pode pagar melhor para si.
Essa foi a transformação que a universidade sofreu, de homens capazes passou a formar agiotas do conhecimento, pessoas que economizam conhecimento, para amanhã cobrar em dinheiro por ele.
Em resumo, transformaram nossas universidades em prostíbulos, onde ficam os jovens à espera de quem lhes pague mais, sem interessar o que se lhes peça para fazer.
O próprio conceito de vocação perde o sentido, pois a escolha de uma profissão é dirigida quase exclusivamente pelo fator econômico. Quantas vocações artísticas e científicas vivem frustradas dentro da Escola de Engenharia, apenas porque é uma maneira certa de um salário razoável.
Isso tudo não é coisa de um 10 de abril para cá. Sempre foi assim.
A diferença é que hoje, além de corromperem com uma organização social que nos condiciona, usam critérios de força para baixar aqueles que não se corrompem.
É preciso que se diga que, da nossa turma inicial, três colegas aqui não estão, por terem tido a qualidade de pensar e a coragem de afirmá-lo.
Professores do gabarito indiscutível do nosso paraninfo são aposentados por que também pensam e agem segundo o seu pensamento, e não o dos outros.
E enquanto isso acontece, alguns professores que lá ficam em lugar de estudarem - do que tanto precisam - dedicam-se muito amiúde a formar comissões de inquérito para apurar quem escreveu panfletos, criticou diretor ou não se comportou direito.
São James Bonds pequenos, mal-vestidos, enrolados, que nem ao menos conseguem descobrir coisa alguma.
Se nossa congregação quer contribuir para a liberdade da escola, que forme uma comissão de inquérito para apurar de onde partem essas outras. Mas não é a primeira vez que isso acontece.
Os inconfidentes foram presos e mortos.
Mas a independência veio.
Os primeiros republicanos perseguidos pelo Império.
E o Império caiu.
O próprio Cristo e os primeiros cristãos foram crucificados, queimados.
Os cesáreos morreram, o cristianismo é uma força.
Recentemente, Demócrito foi assassinado.
Mas a ditadura que o matou foi abaixo.
Hoje seu nome prevê nome de rua.
Será que é ser visionário prever um dia ruas com os nomes dos colegas Ivan e Jonas, mortos no dia 10 de abril?
Se os Senhores Generais que hoje governam o país ouvissem um conselho nosso, lhes diríamos que colocassem de lado, por algum tempo, aqueles livrinhos onde aprendem a dar continências garbosas e estudassem um pouco mais de história, para sentirem que é fácil prender um jovem por vários anos, mas é impossível calar toda a juventude, por algumas semanas que sejam.
Cremos que dentro desse mesmo objetivo, e com outras palavras, podemos dizer que o engenheiro deve valorizar sua profissão colocando nela o homem como meta, como objeto, mas acima de tudo como sujeito de suas decisões. A técnica deve ficar subjugada a interesses políticos. E quando dizemos políticos, dizemos aspirações populares, e não politiquismos que promovem eleições farsantes.
Não se pode fazer da técnica a dona do homem, como hoje o Ministério do Planejamento tenta fazer.
O que significa - meus senhores - dizer que um país é rico, que tem saldo
Não se pode desejar, meus senhores, que um país rico caminhe por cima dos estômagos famintos de um povo pobre, nos braços caquéticos de crianças subnutridas.
É preciso que se acabe com essa riqueza de números em papel, feita para ser apresentada na TV e criar uma riqueza que seja vista nas ruas, de um povo vulto, saciado, vivendo de maneira justa.
Nossa responsabilidade é com este povo. Fazer com que as Universidades se abram, que o trabalho seja justo e para todos.
O que nos espera, porém, sabemos, é uma estrutura podre, mas capaz de nos corromper totalmente. Capaz de prostituir nossa técnica, fazendo-a instrumento de interesses mesquinhos e contrários a nossa consciência, apenas pelo oferecimento de cruzeiros ou dólares, o que é muito comum hoje.
Contra isso temos de lutar e não podemos vencer com um rearmamento moral individual, mas sim com uma reformulação completa de todos os valores que nossa sociedade tem.
Para isso é fundamental que, como disse Dom Helder ontem, na formatura de Química, que o técnico esteja engajado dentro do processo social.
No entanto, nós discordamos de Dom Helder quando ele frisa que "apesar disso, nós não somos subversivos", pois ele é subversivo.
E eu sou e nós todos somos, se consideramos esta organização social errada e procuramos modificá-la.
E queremos acrescentar a Dom Helder que, em particular para um engenheiro, sua verdadeira função, dentro deste processo social, é a de transformar para construir, nessa transformação e construção, o instrumento e o fim é o próprio homem, que como ser social exige antes e paralelamente a sua transformação, e de toda a sociedade.
E se para levar avante essas transformações necessárias, se fizer explorar minas, nós as exploraremos, construir casas, instalar indústrias e energia elétrica, nós o faremos também. Se mais que isso, porém necessário se fizer, como nós cremos se fará, uma participação ativa em todo o processo social e da forma que a luta o exigir, fiquem certos que nós não fugiremos e lutaremos também.